terça-feira, 23 de junho de 2020

Tecnologia e Educação - Adauto Damásio

INTRODUÇÃO

As transformações tecnológicas engendradas a partir do início da Terceira Revolução Industrial impactaram profundamente a economia, a vida social, a cultura e até as práticas políticas das populações do planeta.

Na economia, verdadeiras revoluções disruptivas “assombram” a humanidade desde a união entre os computadores e as telecomunicações, alterando os paradigmas da indústria, do comércio e dos serviços. A robotização, com uso da inteligência artificial, promove transformações radicais no mundo da produção material.

Na vida social, a instantaneidade das comunicações promove, por um lado, o “alargamento” das relações sociais humanas e, por outro lado, acelera o processo narcísico do crescente individualismo.

Na cultura, para além do próprio narcisismo “em alta”, como traço psicanalítico, todos os indivíduos passaram a ter voz pública, por meio das mídias sociais. Tal fenômeno é rigorosamente inédito na história da humanidade. Em 2020, ‘todos’ podem emitir suas opiniões sobre qualquer tema, mesmo que nada conheça sobre ele (ECO, 2015). 

Nas práticas políticas, os cidadãos passaram a ser organizar por meio de mídias sociais digitais variadas, tais como Facebook, Whatsapp, entre outros. Para além de disputas ideológicas entre grupos, o Estado se vê cada vez mais “acuado” diante da enfurecida “plebe” pagadora de impostos. A partir da invenção das mídias sociais, lideranças políticas populistas passaram a governar buscando a comunicação direta com as “massas”.

Não se trata de fenômeno novo! Transformações tecnológicas sempre fizeram parte da história da humanidade e elas sempre resultaram em mudanças nas várias esferas da vida em grupo.

O ser humano, em suas várias “versões” de hominídeos, habitam a Terra a 2,5 milhões de anos. A maior parte desse tempo, os hominídeos viveram no período que se convencionou denominar de Paleolítico, período no qual sequer as técnicas agrícolas tinham sido inventadas.

No final desse período, por volta de 100 mil anos atrás, os homens passaram a dominar e controlar o fogo com eficiência. Essa, talvez tenha sido a primeira grande transformação tecnológica criada pela espécie humana. Com o controle completo do fogo, os seres humanos passaram a usá-lo para afastar animais perigosos, caçar esses mesmos animais, proteger-se do frio, aquecer os alimentos, entre outras utilidades do cotidiano. O controle e o domínio do fogo trouxe mais poder político e bélico para os grupos que o dominaram.

Inúmeras outras transformações tecnológicas poderiam ser citadas e explicadas, mas fugiria ao escopo da presente atividade. Uma também notável invenção humana, que transformou a forma de viver da espécie humana foi a agricultura, promovendo o sedentarismo, criando as condições para a prática da domesticação dos animais, a criação dos primeiros vilarejos, a invenção do comércio, o nascimento do próprio Estado e das religiões. (BRAIDWOOD, 1982)

De qual forma tais transformações tecnológicas alteraram a prática da educação na história da humanidade?

Na Pré-História, crianças e jovens eram educados com objetivos práticos em função da luta pela sobrevivência. Educação dizia respeito à transmitir a experiência para as gerações seguintes. Na Antiguidade, oriental e ocidental (Egito Antigo, Grécia e Roma, por exemplos), a invenção da escrita propiciou uma nova forma de controle, do Estado, sobre as pessoas e sobre a produção, criando a necessidade de que aprendizes dominassem a escrita como técnica (escribas). A Educação tinha finalidades práticas. (LOMBARDO, 2017)

Mas foi somente a partir do final do século XVIII, na Europa ocidental, que a Educação de crianças e jovens passou a ser realizada em escolas. Outras experiências existiram antes disso, tais como a Educação religiosa na Europa e nos Estados Unidos da América. Mas foi somente a partir da Revolução Industrial que a massa de crianças e jovens passou a ser objeto da disciplinarização dos comportamentos a partir do paradigma fabril e do cientificismo que hegemonizou a cultura a partir de então.

Assim, nascia um ‘formato’ de escola que persiste em seu modelo arquitetônico e pedagógico até o século XXI, baseado em formas de coerção psicológica, ensino de conteúdos científicos e com seus pressupostos de disciplina. Dessa forma, a Educação tornou-se, gradativamente mais formal e voltada para as necessidades das contemporaneidades dominadas pela indústria fordista, pela ciência, pelo protestantismo luterano e calvinista. (GRAY, 2015)

Porém, aparentemente, as necessidades humanas mudaram. Como escrevemos no início desse introito, as transformações tecnológicas trouxeram novos desafios para o mundo do trabalho e da educação. Dentro desse contexto é que se inserem as discussões sobre o uso de novas tecnologias na educação, bem como a definição de novos objetivos dos processos educacionais.

DESENVOLVIMENTO

As transformações tecnológicas no mundo da produção trouxeram uma nova realidade para os habitantes do planeta: caminhamos para o que Hargreaves (2004) denomina “sociedade da aprendizagem”. Tal direção está condicionada aos efeitos da revolução tecnológica potencializada pela robotização, pela inteligência artificial e pela biotecnologia.

Assim, o autor produz a crítica da organização escolar tradicional, com suas carteiras rigorosamente enfileiradas, currículos padronizados e aulas canônicas, pois essa forma de organização pode não favorecer o desenvolvimento de habilidades que a sociedade contemporânea requer, quais sejam, práticas que promovam o trabalho coletivo, incentivo à resolução de problemas e a disposição para a aprendizagem permanente.

Moran (2007) destaca a necessidade de alteração do enfoque conteudista para o do incentivo à construção do conhecimento e da interação. A proposta central é que o professor seja um mediador entre o conhecimento e a efetiva aprendizagem dos alunos, por meio do incentivo à participação no desvendamento dos processos de descoberta, investigação e resolução de problemas.

Parametrizando conceitos, Moran salienta a necessidade de diferenciar os conceitos de educação e ensino.

“Ensino e educação são conceitos diferentes. No ensino organiza-se uma série de atividades didáticas para ajudar os alunos a compreender áreas específicas do conhecimento (ciências, história, matemática). Na educação o foco, além de ensinar, é ajudar a integrar ensino e vida, conhecimento e ética, reflexão e ação, a ter uma visão de totalidade. Educar é ajudar a integrar todas as dimensões da vida, a encontrar nosso caminho intelectual, emocional, profissional, que nos realize e que contribua para modificar a sociedade que temos.” (MORAN, J. M.; MASETTO, M. T.; BEHRENS, M. 2000, p. 12).

Segundo o autor, há mais preocupação com ensino de qualidade do que com a educação de qualidade. Educação de qualidade seria um processo mais amplo que envolveria a transformação da vida em processos permanentes de aprendizagem e garantir autonomia intelectual para que os jovens construíssem seus projetos de vida nos âmbitos de suas habilidades de compreensão, emoção e comunicação, tornando-os cidadãos (p. 13).

Ainda segundo Moran, ensino de qualidade compreende inovação, dinamismo, tecnologias acessíveis, professores capacitados e com alunos motivados. Dessa forma, as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs) podem e devem ser utilizadas como ferramentas integradas às práticas de ensino e aprendizagem.

O que seria, então, o pensamento? “Pensar é aprender a raciocinar, a organizar logicamente o discurso”; informações são processadas, de forma mais comum, pelo processamento lógico-sequencial que se expressa na linguagem falada e escrita. Mas existem várias outras formas de aprender a raciocinar e o autor as descreve com brevidade. Atualmente, processamos informações de forma multimídia,    

“juntando pedaços de textos de várias linguagens superpostas simultaneamente, que compõem um mosaico impressionista, na mesma tela, e que se conectam com outras telas multimídia. A leitura é cada vez menos sequencial. As conexões são tantas que o mais importante é a visão ou leitura em flash, no conjunto, uma leitura rápida, que cria significações provisórias, dando uma interpretação rápida para o todo, e que vai se completando com as próximas telas, através do fio condutor da narrativa subjetiva: dos interesses de cada um, das suas formas de perceber, sentir e relacionar-se.” (MORAN, J. M.; MASETTO, M. T.; BEHRENS, M. 2000, pp. 23-24)

Dessa forma, surge a necessidade, em função dessas novas tecnologias que impactam nas formas de aprender, de incorporar as novas tecnologias ao processo instrucional e educativo.

O professor e a aprendizagem

Mas afinal, como se aprende? Para Moran:

“Aprendemos melhor quando vivenciamos, experimentamos, sentimos. Aprendemos quando descobrimos novas dimensões de significação que antes se nos escapavam. Aprendemos quando equilibramos e integramos o sensorial, o racional, o emocional, o ético, o pessoal e o social. Aprendemos pelo pensamento divergente, por meio da tensão, da busca, e pela convergência - pela organização, pela integração. Aprendemos pela concentração em temas ou objetivos definidos ou pela atenção difusa, quando estamos de antenas ligadas, atentos ao que acontece ao nosso lado. Aprendemos quando perguntamos, questionamos. Aprendemos quando interagimos com os outros e o mundo e depois, quando interiorizamos, quando nos voltamos para dentro, fazendo nossa própria síntese, nosso reencontro do mundo exterior com a nossa reelaboração pessoal. Aprendemos pelo interesse, pela necessidade. Aprendemos pela criação de hábitos, pela automatização de processos, pela repetição. Aprendemos pela credibilidade que alguém nos merece. Aprendemos pelo prazer, porque gostamos de um assunto, de uma mídia, de uma pessoa. Aprendemos mais, quando conseguimos juntar todos os fatores: temos interesse, motivação clara. Aprendemos realmente quando conseguimos transformar nossa vida em um processo permanente, paciente, confiante e afetuoso de aprendizagem.” (MORAN, J. M.; MASETTO, M. T.; BEHRENS, M. 2000, pp. 23-24).

O autor busca circunscrever todas as formas de aprender, atentando para fatores causais que se estendem desde as necessidades práticas da vida até os de empatia com aquele que ensina, finalizando com a busca do processo permanente de aprendizagem ao longo de toda a vida.

Nesse caminho de repensar a educação, a didática, o ensino e a aprendizagem, uma outra questão se projeta de forma extremamente pertinente: o papel do professor no processo de aprendizagem.

Dentre as características do professor, uma deve ser destacada: “o professor é um pesquisador em serviço.” O professor deve aprender no processo de ensino. Entre os papeis fundamentais do professor, destacam-se o de ser orientador/mediador intelectual, orientador/mediador emocional, orientador/mediador gerencial e comunicacional e orientador ético. (MORAN, J. M.; MASETTO, M. T.; BEHRENS, M. 2000, pp. 30-31).

As novas tecnologias, oriundas da revolução tecnológica desse início do século XXI, insere o desafio para que profissionais da educação direcionem seus radares para uma educação que seja mediada também pelas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação.

Observo que há uma tendência de generalização dos discursos sobre o uso das novas tecnologias na educação. Várias nuances devem ser inseridas nesse debate. Destaco duas.

Em primeiro lugar, não verifico uma avaliação rigorosa, lastreada em pesquisas científicas, entre performance de aprendizagem e uso de novas tecnologias educacionais. Claro e evidente que os novos rumos tecnológicos “experienciados” no planeta demandam uma aproximação necessária entre educação, ensino, aprendizagem e todas as novas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs). Não estarei eu aqui negligenciando tal necessidade. Porém, é preciso medir! Faz-se necessário que existam pesquisas científicas que comprovem a eficácia e, eventualmente, resultados de performance superiores das metodologias ativas com uso das TDICs.

Em segundo lugar, é essencial que os pesquisadores acadêmicos passem a segmentar suas pesquisas em função do nível educacional e das faixas etárias às quais se referem. Quais são os estímulos a serem proporcionados às crianças na faixa etária entre 3 e 5 anos com auxílio das TDICs? Não sei. Talvez nenhum. No Ensino Médio, a despeito de já haver promissoras experiências no processo de ensino aprendizagem de matemática com auxílio das TDICs, há que se perguntar quais são suas aplicações na literatura ou nas artes.

Estamos no início do processo de incorporação das TDICs na educação, no ensino e na aprendizagem. Precisamos refinar e lapidar esse debate.

Novas tecnologias, educação, ensino e desenvolvimento de habilidades

A primeira aproximação sobre o tema do uso das TDICs na educação deve considerar a necessidade de desenvolvimento, nos alunos, de competências e habilidades.

“Perrenoud (2009) afirma que a competência pode ser traduzida na capacidade de agir eficazmente perante um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas não limitada a eles. Esse conceito é mais amplo do que o de habilidade, caracterizado como capacidade que uma pessoa adquire para desempenhar determinado papel ou função. A competência pode ser definida como junção e coordenação das habilidades com conhecimentos e atitudes.” (Netto, 2017)

Ou seja, o uso das TDICs devem levar em consideração esses objetivos: desenvolvimento, nos alunos, de competências e habilidades. Tais competências e habilidades podem ser mapeadas a partir de três grandes categorias, como a seguir.



 

Fonte: https://blog.elos.vc/competencias-e-habilidades-do-seculo-21/

O domínio cognitivo refere-se ao pensamento racional, estendendo-se à linguagem, escrita, analise, entre tantos outros, o domínio intrapessoal refere-se à gestão das emoções e o domínio interpessoal remete às formas de relacionamento social, como fica evidente na imagem anterior.

Todo o trabalho para o desenvolvimento dessas competências e habilidades é humano. As TDICs podem (e devem) auxiliar nessa tarefa. É o trabalho humano (docente) que pode oferecer relevância ao uso das TIDCs no sentido de criar, nos alunos, a aprendizagem significativa.

Aprendizagem significativa é um conceito desenvolvido pelo pensador David Ausubel. O conceito de aprendizagem significativa remete a um

“processo pelo qual uma nova informação se relaciona com a estrutura de conhecimento de um indivíduo. Conforme apresenta Moreira (1999), a aprendizagem significativa ocorre quando uma nova informação se ancora em conceitos relevantes (subsunçores) preexistentes na estrutura cognitiva do aprendiz. Ausubel define estruturas cognitivas como estruturas hierárquicas de conceitos que são representações de experiências sensoriais do indivíduo. A ocorrência da aprendizagem significativa implica o crescimento e a modificação do conceito subsunçor.” (Netto, 2017)

Dessa forma, a organização de mapas conceituais pode ser uma estratégia de muito sucesso na facilitação da aprendizagem significativa. O mapa conceitual organiza o pensamento e possibilita hierarquizar conceitos centrais, periféricos e processos. As TIDCs podem ser usadas nesse processo, pois há várias ferramentas online que permitem a construção dos mapas conceituais. Por exemplo, temos GoConqr, que pode ser acessado no link https://www.goconqr.com. Abaixo, um exemplo de um mapa conceitual feito nessa plataforma.



Dessa forma, sim: as TDICs podem e devem ser utilizadas para aperfeiçoar e, eventualmente, revolucionar a educação, o ensino e a aprendizagem.

Conclusão

Como conclusão, podemos afirmar que as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs) são importantes, considerando sua contemporaneidade. Os seres humanos, ao longo da sua história, construíram as mais variadas ferramentas, do arco e flecha ao computador; são ferramentas, apenas!

Tais ferramentas contemporâneas não são revolucionárias per si. Elas são revolucionárias quando utilizadas com competência didática e pedagógica para alcançar objetivos traçados em função das necessidades humanas.

Como apresentado, Ausubel propõe que educação e ensino objetivem a aprendizagem significativa. Se as ferramentas tecnológicas auxiliam nesse processo de ensino, devemos utilizá-las. Mas lembremos: o arco e a flecha não tinham (como não tem até hoje) uma existência desconectada de sua função ontológica.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRAIDWOOD, Robert, 1982. Homens Pré-históricos. Brasília: Editora da UNB.

CLASTRES, Pierre, 1982. A Sociedade Contra o Estado. Rio de Janeiro: Ed. Francisco Alves.

ECO, HUMBERTO, 2015. Redes sociais deram voz a legião de imbecis, diz Umberto Eco. Disponível em https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2015/06/11/redes-sociais-deram-voz-a-legiao-de-imbecis-diz-umberto-eco.jhtm. Acesso em 26/02/2020.

Ensino adaptativo: entenda como a tecnologia pode facilitar o aprendizado. s/d. Disponível em https://www.escolaweb.com.br/blog/tecnologias-para-educacao/ensino-adaptativo-entenda-como-a-tecnologia-pode-facilitar-o-aprendizado/. Acesso em 29/12/2019.

GRAY, P, 2015. Uma breve história da educação e da escola. Disponível em https://portal.aprendiz.uol.com.br/2015/12/22/uma-breve-historia-da-educacao-e-da-escola/. Acesso em 27/02/2020.

HARGREAVES, Andy (2004). Ensino na Sociedade do Conhecimento. Porto: Porto Editora.

LÉVY, P. Os benefícios das ferramentas virtuais para o ensino. 2013. Revista Gestão Educacional, abril de 2013. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/294992441/Pierre-Levy. Acesso em 29/12/2019.

LOMBARDO, L. (2017). Como fazíamos sem professor? Disponível em https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/acervo/como-faziamos-professor-473340.phtml. Acesso em 26/02/2020.

MORAN, J. 2000. Mudar a forma de ensinar e aprender com tecnologias. Interações, Vol. V, núm. 9, jan-jun, pp. 57-72. Universidade São Marcos. São Paulo, Brasil.

MORAN, J. 2015. Mudando a educação com metodologias ativas. Coleção Mídias Contemporâneas. Convergências Midiáticas, Educação e Cidadania: aproximações jovens. Vol. II] Carlos Alberto de Souza e Ofelia Elisa Torres Morales (orgs.) .

MORAN, J. M.; MASETTO, M. T.; BEHRENS, M. 2010. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas: Papirus.

MOREIRA, M. A., 1999. Aprendizagem significativa. Brasília: Editora Universidade de Brasília.

NETTO, Cristiane Mendes, 2017. Boca Ratón: Must University.

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